sábado, 27 de outubro de 2012

XVII Encontro Clube do Livro – Cecília Meireles





TRAZE-ME um pouco das sombras serenas
que as nuvens transportam por cima do dia!
Um pouco de sombra, apenas,
— vê que nem te peço alegria.
Traze-me um pouco da alvura dos luares
que a noite sustenta no seu coração!
A alvura, apenas, dos ares:
— vê que nem te peço ilusão.
Traze-me um pouco da tua lembrança,
aroma perdido, saüdade da flor!
— Vê que nem te digo — esperança!
— Vê que nem sequer sonho — amor!

Murmúrio, Cecília Meireles

CANÇÃO



NUNCA eu tivera querido
dizer palavra tão louca:
bateu-me o vento na bôca,
e depois no teu ouvido.

Levou sòmente a palavra,
deixou ficar o sentido.

O sentido está guardado
no rosto com que te miro,
neste perdido suspiro
que te segue alucinado,
no meu sorriso suspenso
como um beijo malogrado.

Nunca ninguém viu ninguém
que o amor pusesse tão triste.
Essa tristeza não viste,
e eu sei que ela se vê bem...
Só si aquele mesmo vento
fechou teus olhos, também...

Cecília Meireles, Viagem

MOTIVO



EU CANTO porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gôzo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Si desmorono ou si edifico,
si permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei si fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.


Cecília Meireles, Viagem

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

É outra coisa

"Entretanto, vida diferente não quer dizer vida pior; é outra coisa. A certos respeitos, aquela vida antiga aparece-me despida de muitos encantos que lhe achei; mas é trambém exato que perdeu muito espinho que a fez molesta,  e, da memória, conservo alguma recordação doce e feiticeira”.
Dom Casmurro, Machado de Assis.